Telescópios de alta tecnologia

Dúvidas e Perguntas?

Nossos olhos, opticamente falando, são câmaras de baixa qualidade. O sistema de focalização só consegue manter o foco na zona central, enquanto o restante da retina nos dá apenas uma imagem borrada de um campo maior. O que faz do nossos olhos um sistema excepcional é a máquina maravilhosa que existe por trás deles: o nosso cérebro. Ao receber a luz de um objeto o cérebro comanda músculos que deformam o cristalino e modificam a abertura da íris, ajustando o foco e o brilho no ponto ótimo para atender a nossas necessidades, enquanto as regiões periféricas são instruídas para monitorar o que acontece à nossa volta.

Infelizmente isso não acontece nos nossos telescópios. Para se obter uma boa imagem teremos de construir uma objetiva com uma curvatura perfeita, mecânica e termicamente estável, para que a dilatação não comprometa a sua forma. A estrutura, além de permitir o movimento do telescópio em todas as direções tem de manter o alinhamento óptico dos componentes dentro de estreitos limites. Nos telescópios pequenos este compromisso não é muito difícil de obter com um bom projeto da estrutura e objetivas termicamente estáveis, feitas com materiais desenvolvidos especificamente para este fim, como os blocos de Pirex ou Zerodur. Mas quando as objetivas aumentam acima de um certo tamanho, não temos como construi-las. Durante muito tempo o maior instumento óptico do mundo foi o Telescópio Hale de Monte Palomar, com um espelho de 5 metros de diâmetro e 20 toneladas, suportado por uma estrutura equatorial de 500 toneladas.

Em 1970, quando os russos construíram o Grande Telescópio Azimutal (Bolshoi Teleskop Azimutal'ny), com uma objetiva de 6 metros de diâmetro e 42 toneladas, adotaram uma estrutura inovadora: uma montagem altazimutal de "apenas" 870 toneladas, acionada eletrônicamente. Este arranjo viabilizou a construção de um telescópio muito mais leve que um equatorial da mesma abertura, mas alguns problemas se revelaram incontornáveis. O movimento de rotação da Terra não pôde ser compensado quando o telescópio aponta para o zênite: existe uma descontinuidade que não é acompanhada pelos motores de acionamento. Para manter a forma da objetiva, a temperatura tem de ser mantida dentro uma tolerância de 2 graus Celsius! Ele se tornou o maior telescópio do mundo, mas como foi instalado em um local de clima extremamente adverso, próximo a Zelenchukskaya nas montanhas do Cáucaso, com grandes variações de temperatura entre o dia e a noite, com seu sistema de climatização comprometido por uma cúpula enorme, acabou sendo um telescópio sub-utilizado, e estabeleceu um limite para o tamanho dos instrumentos.

Mas as descobertas dos astrônomos continuaram a expandir os limites do universo exigindo telescópios maiores. Objetivas maiores precisariam ser muito mais pesadas, aumentando exponencialmente o peso da estrutura do telescópio e logicamente seu custo.

Como contornar estes problemas? A solução era óbvia: copiar o olho humano! Criar um telescópio que se adaptasse a cada situação. Mas como? Vários cientistas decidiram enfrentar um grande desafio: como construir telescópios maiores, melhores e mais baratos.

O conceito do telescópio massivo e estável foi completamente abandonado. As estruturas precisavam ser mais baratas e de manutenção mais fácil. Para isso as objetivas tinham de ser mais leves. A qualidade óptica não podia ser comprometida. Assim surgiram os telescópios de alta tecnologia (Hi-tec telescopes) com óptica ativa. Uma mistura de perfís de metal, vidro óptico, uma rede de sistemas cibernéticos e novos detetores de imagem.

A pesada estrutura dos equatoriais foi abandonada e em seu lugar foi consagrada a montagem altazimutal. Como esta estrutura não tem cargas descentralizadas, desapareceram os contra-pesos e os mancais gigantescos. Foram desenvolvidos novos sistemas de acompanhamento para compensar a rotação da Terra, com o uso de novos acionadores: os motores a passo ou de corrente contínua pulsante, controlados por computadores. Os radio telescópios já usavam há muito pempo as montagens altazimutais e vários sistemas de posicionamento e acompanhamento já tinham um bom nível de desenvolvimento e puderam ser facilmente adaptados. Sensores de alinhamento foram instalados para acionar sistemas computadorizados de correção das deformações estruturais. Nestas estruturas leves foram utilizados espelhos finos e flexíveis, fundidos em fornos rotativos, que já geravam uma forma aproximada da objetiva, reduzindo drásticamente a massa de vidro a ser aquecida, diminuindo o tempo exigido para o resfriamento e facilitando o trabalho de polimento. Depois de polidos e analizados por interferômetros estes espelhos foram apoiados numa rêde de sensores e atuadores que corrigem constantemente a sua curvatura, compensando as deformações mecânicas e térmicas. Para telescópios maiores foi sugerida a utilização de objetivas de espelhos múltiplos, mais finos e mais baratos. Em 1979 foi concluído o MMT (Multi Mirror Telescope) com 6 espelhos de 1,8 m, combinados em uma abertura equivalente de 4,5 metros, e que serviu de protótipo para os novos telescópios Keck de 10 metros. A distancia focal foi reduzida, permitindo o uso de cúpulas proporcionalmente menores. Em alguns casos a cúpula esférica foi abandonada, dando lugar a prédios com melhor aerodinâmica, construidos para evitar a turbulência do ar na abertura.
Por volta de 1845, um criativo engenheiro escocês e astrônomo amador chamado James Nasmyth construiu um telescópio altazimutal cassegraniano com uma característica singular: o feixe de luz que retornava do secundário era desviado para fora do telescópio por um espelho diagonal através do mancal de suporte da estrutura. Este arranjo, além de evitar que o primário tivesse de ser furado, mantinha o foco em uma posição fixa. Movimentada através de engrenagens, uma plataforma giratória permitia apontar o telescópio para qualquer ponto do céu, enquanto Nasmyth permanecia confortavelmente sentado diante da ocular.

Montagem Nasmyth

Este arranjo mostrou-se ideal para suportar o pesado equipamento de pesquisa usado atualmente, além de permitir sua rápida troca, sem desbalancear o telescópio. Largamente utilizado nos novos telescópios, ficou conhecido como plataforma Nasmyth ou foco Nasmyth.
O desenvolvimento de software específico e o aumento da velocidade dos computadores supriu as necessidades de contrôle. Novos sistemas de coleta de imagens foram desenvolvidos como os CCD (charge coupling device) utilizados no telescópio espacial Hubble e os contadores de fótons. A coleta eletrônica de imagens permitiu a utilização de vários telescópios em paralelo, combinando as suas imagens e aumentando o poder de ganho de luz, além da soma de imagens poder ser usada como um interferômetro. Assim os telescópios modernos se tornaram quase estruturas vivas, um organismo cibernético. As estruturas se tornaram muito mais leves e flexíveis, controladas por computadores que as transformaram quase em robôs. Um novo passo está sendo dado, no sentido de contornar os problemas atmosféricos: a óptica adaptativa. A tecnologia desenvolvida criou recursos que estão forçando uma revisão dos telescópios antigos com a implementação de alguns de seus sistemas.

A partir daí, uma nova geração de instrumentos está tomando conta do mundo. Os telescópios gêmeos Keck I e II (2 x 9,8 m) e o Subaru (8,6 m) em Mauna Kea no Hawaii, os quatro componentes do VLT (Very Large Telescope) (UT1- Antu, UT2- Kueyen, UT3- Melipal e UT4- Yepun) do ESO (European Southern Observatory) em Cerro Paranal no Chile (4 x 8,2 m) e os telescópios de 8 metros Gemini North, em Mauna Kea-Hawaii e Gemini South, em Serro Pachon-Chile são alguns dos novos telescópios gigantes que vão fazer o avanço da astronomia no início do século XXI.

Hoje os astrônomos podem literalmente conversar com seus telescópios, que atendem a comandos de voz, e trabalhar em postos remotos, como ocorre com os telescópios gêmeos Keck I e II, onde a sala de operação dos astrônomos fica a 2 600 metros de altitude, enquanto os telescópios estão a 4 150 metros, altitude quase impossível de trabalhar devido à baixa concentração de oxigênio no ar extremamente rarefeito.

25-mai-2002

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