Recebemos muitas consultas de Atm's brasileiros que buscam alternativas para a construção dos espelhos de seus telescópios. Não existem no nosso mercado materiais específicos para esta aplicação e temos de usar o que nos é oferecido de outras áreas. As dificuldades de importação e as altas taxas aduaneiras nos forçam, cada vez mais, no sentido de improvisar colando peças menores ou até fabricando blocos. A colagem de placas simples ou nervuradas foi tentada várias vezes com resultados decepcionantes.
O processo de colagem por "fusing" está sendo testado por alguns amadores e promete resolver parte dos problemas num futuro próximo.
Descrevemos abaixo os materiais disponíveis para serem usados em espelhos ópticos de qualidade. Alguns deles já são conhecidos pelos Atm's, mas outros não são normalmente disponíveis.
Nesta categoria estão incluídos vários materiais que teem sido usados, apesar de alguns deles não serem ideais para espelhos de telescópios. Vidros são materiais amorfos (sem estrutura cristalina) e existem diversos tipos, desde a obsidiana (o vidro natural), o vidro plano e vários tipos de vidro óptico e os mais trabalháveis, de baixo ponto de fusão. Basicamente o vidro é formado de óxido de silício (quartzo SiO2), em forma de areia, que funde a alta temperatura e de alguns álcalis como a barrilha (carbonato de cálcio CaCO3), cal, óxidos de titânio ou alumínio, que modificam o arranjo das cadeias moleculares e baixam o ponto de fusão.
Vários contaminantes podem ser adicionados para se alterar a cor, a densidade, que varia entre 2.000 e 8.000 kg/m3, e o índice de refração do vidro, para a obtenção dos cristais e vidros ópticos. Mais de 1000 tipos de vidro são fabricados para as mais diversas aplicações, desde os vidros ópticos para lentes e espelhos, até os de mais baixo ponto de fusão, usados em garrafas, ampolas e bulbos para lâmpadas.
A Obsidiana é uma rocha vítrea natural e tem sido usada por várias pessoas para fazer espelhos de telescópios, mais para mostrar que isto pode ser feito do que por boas razões técnicas. Peças suficientemente grandes para fazer espelhos são disponíveis, mas são difíceis de obter e relativamente caras. O coeficiente de expansão é bastante similar ao do vidro plano e costumam ter contaminantes e bolhas.
O vidro plano é uma boa opção para telescópios pequenos, entre 100 e 200 mm. É produzido pela laminação contínua do vidro com uma consistência pastosa num laminador vertical (plate glass), ou sobre um tanque de estanho derretido com atmosfera controlada (float glass).
O mais comum é o "soda lime", o vidro de vidraças, feito a base de óxido de silício com a adição de óxido de sódio (soda - Na2O) e óxido de cálcio (lime - CaO). Pode ser usado satisfatoriamente para vários espelhos de telescópios. Sua vantagem principal é a disponibilidade em tamanhos grandes e é muito barato, mas a espessura é limitada. No Brasil é fabricado até 25 mm (1") mas pode ser encontrado em espessuras maiores em placas brancas ou azuladas, conhecidos no mercado como vidros belgas (importados dos fabricantes da Bélgica). As principais desvantagens são o alto coeficiente de dilatação, a presença de bolhas ou de tensões internas.
É uma inovação relativamente recente, fabricado com lâminas de vidro plano coladas por fusão e tratadas termicamente (anelagem). O coeficiente de expansão é ligeiramente inferior ao do Pirex, mas muito maior que o de outros vidros cerâmicos. Blocos para espelhos são baratos.
Vidro de alta transparência, produzidos para lentes com a adição de boro, podem ser usados para blocos de espelhos, mas geralmente não são uma boa opção já que têm um alto coeficiente de dilatação, são mais caros que os blocos fabricados especificamente para este fim e são muito quebradiços.
Os borosilicatos são uma família de vidros desenvolvidos especificamente para ter boas características para espelhos. Eles são disponíveis em blocos bem anelados em tamanhos para atender à maioria dos Atm's. Blocos de pequeno diâmetro podem ser importados a custos relativamente baixos, mas seu peso encarece muito o frete, que é onerado pelas taxas aduaneiras.
O Pirex (Corning 7740) é o mais conhecido desta família e foi usado para a construção de milhares de espelhos, incluindo o de 5 metros do telescópio Hale (Monte Palomar). Basicamente consiste em 81% de SiO2, 12% de B2O3, 4% de Na2O e 3% de alumina. Outros fabricantes produzem vidros similares que têm sido usados nos grandes telescópios profissionais.
É um vidro borosilicato tipo "crown" fabricado pela Ohara. Ele encontrou uma grande aplicação em espelhos de telescópios, particularmente nos espelhos fundidos nos modernos fornos giratórios. Este vidro tem características muito parecidas ao do Pirex. Ele é facilmente encontrado no exterior em tamanhos que interessam aos Atm's, é barato, tem o coeficiente de expansão relativamente baixo, é fácil de desbastar e polir.
Schott Borofloat é a forma plana do Duram (# 8330) da Schott, um vidro borosilicato tipo crown. O Borofloat tem propriedades similares ao Pirex e ao E6 mas é produzido em placas pelo método de laminação flutuante. É facilmente encontrado nos EUA em tamanhos procurados pelos Atm's, é barato, tem o coeficiente de expansão baixo, fácil de desbastar e de polir.
Os materiais desta categoria têm como propriedade intrínseca o baixo coeficiente de dilatação. Existem dois tipos: a sílica fundida e o ULE.
A sílica fundida é um dióxido de silício amorfo sintético (SiO2) produzido a chama ou vapor na hidrólise dos haletos de sílica. O resultado de um material óptico de altíssima pureza e um dos materiais de maior transparência que existem. Ele dá um excelente bloco para espelhos, é facilmente trabalhado e pode ser polido até baixíssima rugosidade. É disponível de vários fornecedores.
ULE (Ultra Low-Expansion) é a sigla para Expansão Ultra Baixa. É um vidro de silicato de titânio (92.5% SiO2 e 7.5% TiO2) fabricado pela Corning Glass. Tetracloreto de sílica e Tetracloreto de titânio são misturados e seus vapores são dirigidos a um forno, onde eles reagem e gotas se depositam sobre uma mesa giratória. Leva aproximadamente uma semana para se produzir um bloco de 1,70 m de diâmetro e 15 cm de espessura. O vidro resultante tem um coeficiente de expansão extremamente baixo. É muito caro para a utilização por Atm's.
As cerâmicas são materiais otimizados para uso em blocos para telescópios. Eles têm coeficiente de dilatação muito menores que os usualmente utilizados por Atm's.
Este baixo coeficiente é obtido através da combinação da formulação química e do tratamento térmico. Este tratamento térmico permite a cristalização parcial do vidro. Os componentes cristalinos têm um coeficiente de dilatação negativo que balanceia o coeficiente de dilatação positivo do vidro amorfo, resultando em coeficientes de dilatação 100 vezes menores que o do Pirex, tornando-os ideais para espelhos de telescópios. Cada fabricante tem seu processo especial para a fabricação dos blocos cerâmicos.
Zerodur é o nome comercial de uma cerâmica usinável produzida pela Schott Glass Tecnologies, usando técnicas de fabricação de comuns. O vidro é derretido, refinado, homogeneizado e moldado a quente. Depois do resfriamento e anelagem, um tratamento térmico transforma o vidro em vidro cerâmico através do controle do volume de cristalização. O material contém 70 a 78% em peso na fase cristalina e uma grande estrutura de quartzo e um coeficiente de dilatação negativo. A fase vidro tem um coeficiente positivo. A composição resulta em um material de coeficiente de dilatação extremamente baixo. O Zerodur é disponibilizado em três classes de dilatação: classe 0: +/- 0,02e-6/k de 0 a 50 ºC. As classes 1 e 2 não são tão bem controladas e se destinam a outras aplicações . É facilmente trabalhado.
É o equivalente russo do Zerodur e é disponível em peças grandes. As propriedades físicas e térmicas são ligeiramente diferentes do Zerodur. É fácil de ser encontrado e facilmente trabalhado. Peças pequenas são encontradas a preços muito baixos.
Vidro cerâmico fabricado pela Owens-Illinois. Este vidro foi usado inicialmente para grandes espelhos de telescópios profissionais.
É um vidro cerâmico de baixa expansão de desenvolvimento recente da Ohara Corporation.
Esta categoria representa a tecnologia de ponta. Os materiais estão listados aqui a título de curiosidade.
Todos eles são materiais extremamente caros, difíceis de trabalhar ou tóxicos, no entanto eles foram usados como espelhos de telescópios em aplicações especializadas e podem ser disponíveis para os Atm's no futuro.
O alumínio foi usado primariamente para espelhos leves de telescópios infravermelhos, pricipalmente visando a aplicação em telescópios orbitais. Espelhos metálicos já foram usados com sucesso no passado, e ainda podem ser feitos, mas têm um problema inerente ao metal. Eles se oxidam. E para recompor a superfície refletora é necessário polir e refigurar sua superfície, enquanto que no vidro basta retirar a película e depositar uma nova camada. O alto coeficiente de expansão e a trabalhosa recomposição da superfície refletora torna o alumínio inutilizável para Atm's.
O berílio foi usado para espelhos leves de telescópio infravermelhos, mas é extremamente tóxico (o pó do berílio é venenoso). É extremamente caro para uso por Atm's.
Espelhos de níquel são formados por eletrodeposição sobre mandris polidos e são usados principalmente para telescópios de raios-X, que atravessariam facilmente espelhos de outros materiais. São espelhos de alta tecnologia, como os usados no telescópio orbital XMM-Newton.
O carbureto de silício é um material relativamente recente usado tanto em espelhos como em elementos estruturais. Peças grandes pré-formadas estão disponíveis em vários fabricantes. É extremamente duro o que o torna difícil de polir e corrigir, inviabilizando a sua utilização por Atm's.
Como o nome indica, estes espelhos são feitos de materiais agregados, como a fibra de carbono e aglomerantes. Os espelhos são tão finos que podem ser enrolados sobre si mesmos. Ao desenrolar eles retornam exatamente à forma original. Esta característica é especialmente importante para telescópios enviados ao espaço.
Anelamento ou anelagem - (do inglês) Processo de resfriamento lento e controlado dos blocos de vidro para a formação de cristais e evitar tensões internas, similar ao recozimento dos metais.
Atm - Amateur telescope maker - Fabricante amador de telescópios
Corning Glass -Empresa americana que criou o Pirex da cidade de Corning - NY
Crown - Vidro óptico tipo soda-lime de baixo índice de refração
Flint - Vidro óptico denso de alto índice de refração
Double - Lente dupla de vidros crown e flint para correção cromática
Ohara - Ohara Corporation do Japão
Owens-Illinois - Fabricante de vidraria para alimentos, bebidas e remédios de Toledo-Ohio
Schott - Schott Glass Tecnologies de Elmsford - NY de origem alemã, subsidiária da Zeiss Jena.