O telescópio Cassegrain

Considerações iniciais

O comprimento dos grandes telescópios refratores ou newtonianos, que forçam a construção de cúpulas enormes e tornam o acesso à ocular progressivamente mais difícil, acabou por lançar os astrônomos e ópticos teóricos na busca por arranjos mais compactos. Várias sugestões foram feitas, destacando-se entre elas os arranjos coudé (do francês: cotovelo), os do matemático e frade franciscano Marin Mersenne (1588-1648) , ou uma combinação dos dois. Além da compactação Mersenne buscava uma solução para a correção cromática das imagens geradas pelas lentes. A decomposição da luz em vários comprimentos de onda ainda não tinha sido descoberta (Newton-1666), e para contornar o problema ele sugeriu o uso de espelhos nas objetivas. Sua idéia era a combinação de dois espelhos parabolóides, onde o espelho maior seria furado e o secundário, montado na sua frente devolveria os raios de luz através deste furo. Os teóricos analisaram matematicamente os modelos e chegaram à conclusão que seriam inviáveis, o que, aliado à dificuldade de construção de superfícies asféricas acabou por forçar o abandono da idéia.

Em 1663, James Gregory propôs a combinação de dois espelhos: um grande espelho parabolóide que coletaria a luz que seria refletida por um secundário côncavo elipsoidal para uma ocular montada em um furo do primário. Apesar de teoricamente correto, as dificuldades de construção e testes impediram a sua construção na época, mas atualmente muitos dos telescópios gigantes usam este projeto.

Finalmente, em 1672, um francês de nome N. Cassegrain, sugeriu um arranjo factível: uma combinação de um espelho primário parabolóide e um secundário convexo hiperboloidal . A análise matemática deste modelo acabou gerando algumas variações, com características especiais.

TipoPrimárioSecundário
Cassegrain clássicoParabolóideHiperbolóide
Dall-KirkhanElipsóideEsférico
Pressman-Camichel *EsféricoElipsóide oblato
Ritchey-ChrétienSemi-HiperbolóideSuper-Hiperbolóide
* Este arranjo pode ser desalinhado, permitindo a construção de um telescópio sem obstrução.

Estes arranjos, em alguma de suas variações, dominam a construção de grandes telescópios atualmente, e por este motivo muitos amadores buscam meios de construí-los.

Um arranjo interessante é a combinação do esquema Cassegrain com um espelho terciário, que desvia a luz para fora do tubo antes que ela chegue ao espelho principal. Este arranjo "coudé" tem as vantagens de evitar o furo central no espelho primário e colocar a ocular numa posição mais favorável. Nos grandes telescópios altazimutais modernos este desvio é feito de modo a lançar a luz através do mancal de declinação, o que permite manter o foco fixo em relação a uma plataforma. Este arranjo foi chamado Nasmyth, nome do engenheiro que primeiro a construiu (Veja em Telescópios: Telescópios de alta tecnologia).

Para evitar a construção de superfícies asféricas foram criadas duas versões de telescópios catadióptricos (combinações de espelhos e lentes) . O mais difundido é o Schmidt Cassegrain com primário e secundários esféricos e uma lâmina corretora de perfil lenticular. Esta lâmina pode ser polida de maneira relativamente simples, com a ajuda de uma "câmara de vácuo".
A segunda versão é o Maksutov Cassegrain. Neste caso todas as superfícies são esféricas, incluindo as do menisco divergente usado como lâmina corretora e com uma parte central espelhada para fazer o papel de espelho secundário. Nos dois casos o espelho primário é ligeiramente maior que a lâmina corretora.

A construção de um telescópio Cassegrain é um desafio para amadores avançados, com larga experiência em polimento óptico, porque exige a construção de um primário asférico com uma relação focal (f/D) muito pequena e uma altíssima qualidade de acabamento.

Aliada a esta exigência, ainda teremos de enfrentar a construção de um espelho secundário convexo, com todas as suas dificuldades de teste.

As relações não diferem de modo notável entre os vários arranjos, assim poderemos começar nosso projeto definindo as dimensões básicas. O espelho primário deve ter uma relação focal (f/D) que nos permita obter a relação focal final (F/D) definida para a aplicação escolhida.
Uma constante de redução g será definida e usada para todos os cálculos.

Como já vimos a construção dos primários para os newtonianos, vamos nos concentrar na execução do furo central (dispensável no arranjo coudé), no cálculo das principais dimensões do Cassegrain e na confecção do seu secundário.

Diâmetro do espelho primário

Devido ao grande volume de trabalho e às dificuldades intrínsecas da construção, não se justifica a construção de um telescópio Cassegrain de pequeno diâmetro. Um valor mínimo para esta empreitada deve estar em torno de 150 mm, e as vantagens são crescentes com o aumento deste diâmetro. Mesmo entre os fabricantes tradicionais, os telescópios de menor diâmetro tendem a ser no arranjo Maksutov, passíveis de serem totalmente polidos em máquinas.

Relação focal do primário

A relação focal (f/D) do espelho primário deve estar entre 3 e 5. Para se obter uma relação focal final (F/D) razoável, somos obrigados a partir de um espelho especialmente curto. Isso nos permitirá construir um telescópio suficientemente compacto e com uma taxa de obstrução do secundário razoável. Esta taxa (d/D) deve se limitar a 0,25. Taxas de obstrução maiores implicariam em uma enorme alteração na taxa de difração, piorando sensivelmente a qualidade da imagem. Um espelho primário com uma distancia focal grande nos obrigaria a aumentar o diâmetro do espelho secundário. Além do telescópio ficar muito longo, perderia em qualidade óptica para um newtoniano longo. Quase todos os Cassegrain's amadores são construídos com base em um primário com f/D ~ 4.

Relação focal final

A construção do telescópio Cassegrain tem como premissa básica se obter um telescópio com uma relação focal final (F/D) entre 8 e 20, a menos que ele seja destinado a aplicações especiais. Isso porque um telescópio Cassegrain de abertura média com F/D < 8 pode ser substituído com vantagens por um newtoniano. Por outro lado 20 é uma relação focal que produz imagens muito escuras, limitando o uso do aparelho.

Projeto básico

Definidos o diâmetro, a distancia focal do primário, o diâmetro do campo e a posição do plano focal, poderemos escolher o melhor valor de g para, a partir das fórmulas, determinar todas as dimensões do instrumento .

É recomendável que seja feito um desenho em escala para determinar os diâmetros do furo do espelho principal e das proteções contra a penetração de luz, além da determinação do ponto de equilíbrio do instrumento . Como no nosso desenho, é recomendável usar uma escala reduzida no sentido do comprimento, o que não irá comprometer as dimensões transversais. O defletor deve ter o diâmetro da interseção dos raios de luz que se dirigem ao foco e os que retornam do secundário. Uma boa medida para o furo central é o valor médio entre o diâmetro do secundário e o do tubo defletor.

Escolha do bloco

Além de atender aos requisitos normais de espessura, o bloco do espelho primário deve ser testado quanto à presença de tensões internas. Tensões irregulares ou muito fortes podem alterar o perfil do espelho por ocasião da furação final. Um teste simples, usando luz polarizada pode nos dar uma base para a seleção do bloco .

Furação prévia

Definido o diâmetro do furo do espelho primário, construa uma broca copo e fure parcialmente a parte traseira do bloco, deixando uma ligação suficiente para que, por ocasião do desbaste da superfície frontal, o furo não seja atingido. Lave o bloco e preencha o vazio com uma mistura de breu e cera. A furação previa permitirá um alívio de tensões e a cera manterá o miolo em posição durante o desbaste e o polimento, sem riscos de quebra. Durante os testes poderá ser notada uma ondulação devida ao movimento deste miolo permitido pela cera, mas que não chegará a afetar o processo.

Polimento

O desbaste e polimento de um espelho muito curto requer um trabalho de desbaste muito grande. A flecha de um espelho de 200 mm com f/D= 4 chega a mais de 3 mm, num espelho de 300 mm com a mesma relação focal vai a quase 5 mm e o volume de material a ser retirado é bem grande. Mantidas as devidas proporções o numero de horas de trabalho é proporcional ao dos espelhos convencionais, exceto a partir da fase de parabolização. Num espelho tão curto a deformação em relação à superfície esférica é muito grande e o polimento teima em fazer a forma voltar à esfera básica, enquanto tentamos distorcer a curva para os valores calculados. O uso de uma ferramenta do mesmo diâmetro do espelho pode dificultar este trabalho. Por este motivo é recomendável termos prontas ferramentas com 3/4 e metade do diâmetro do espelho. Para o teste será necessária a construção de uma máscara similar à construída para os parabolóides dos newtonianos, mas neste caso cobrindo a região do furo . O procedimento para a definição das janelas, sua largura e os valores do hm (h médio) são similares. Todas as correções devem ser feitas antes que o furo seja completado. Polimento de espelhos já furados normalmente causam uma "borda baixa" em torno do furo.

Furação definitiva

Usando a broca copo corte um disco de vidro fino e cole-o com breu e cera sobre o centro da superfície polida. É recomendável proteger a superfície polida com um verniz, que depois será removido com solvente. Usando o disco para centragem da broca, termine o corte. Com muito cuidado, usando uma pedra de afiar pequena ou uma chapa enrolada em forma de cone e abrasivo, faça a chanfragem do furo (1 x 1 mm) .

Construção do secundário

As grandes dificuldades de construção de um telescópio Cassegrain estão no polimento e testes do secundário convexo. O aparelho de Foucault não pode ser usado sem recursos ópticos auxiliares. O polimento é muito rápido devido às reduzidas dimensões, normalmente entre 30 e 80 mm de diâmetro. Normalmente um bloco de vidro de 10 a 15 mm de espessura será suficiente. O polimento na bancada fixa de blocos tão pequenos é muito mais difícil do que poderíamos esperar e exige muito conhecimento e prática do artesão. Qualquer pressão irregular das mãos pode pôr todo o trabalho a perder. Por isso é recomendável o uso de uma polidora de eixo vertical de baixa rotação (10 a 15 rpm), acionada por pedais ou por um motor elétrico.

Se possível construa uma similar às usadas para o polimento de lentes ., que trabalhe com rotações entre 10 e 100 rpm. A rotação mais alta será usada para o acabamento lateral. Corte dois discos de vidro: um com diâmetro 5% maior que o calculado para ser o secundário, um segundo 10% maior que o secundário para ser a ferramenta de desbaste e gabarito de testes. Os 5% excedentes no secundário serão retirados depois do polimento para eliminar uma borda baixa que fatalmente irá aparecer durante o polimento. Pelo mesmo motivo a "ferramenta côncava" tem um diâmetro maior para ser desprezado durante sua utilização como padrão. Após os chanfros fixe o secundário sobre um mandril mecanicamente ou através de cola. A fixação mecânica tem a vantagem de facilitar a retirada e reinstalação para cada bateria de testes. Sobre as costas da ferramenta cole um blocos de fixação com um furo central. Faça discos de madeira compensada de 15 mm de espessura com o mesmo diâmetro dos blocos e impermeabilize com cera para suportar o "pitch-lap" que fará o polimento final. Controle a curvatura com um esferômetro ou um gabarito de chapa. Os dois blocos, espelho e ferramenta, deverão ser polidos esféricos, com exatamente a mesma curvatura (r2). O controle da ferramenta côncava será feito no teste de Foucault. Em seguida, esta ferramenta será usada como padrão para testes do espelho secundário.

Testes do secundário

O teste dos espelhos secundários pode ser feito por quatro processos distintos, cada um com suas vantagens e desvantagens.

1- Máscara de Hartmann. Este processo requer o uso de uma máscara de Hartmann colocada à frente do telescópio pronto. O telescópio deve ter toda a infra-estrutura, primário espelhado e alinhado e inclusive o sistema de acompanhamento .
O secundário polido sem espelhamento é montado e alinhado e o telescópio é apontado para uma estrela forte. São feitas imagens fotográficas intra e extrafocais, que são analisadas para a definição das correções necessárias. Normalmente este procedimento é usado depois que o secundário foi polido e testado por outros métodos.

2- Plano padrão. Neste caso um bloco perfeitamente plano, com diâmetro ligeiramente maior que o espelho primário é usado em conjunto com um aparelho de Foucault. O espelho primário deve estar pronto e montado em uma giga de teste . A obtenção do plano padrão de grande diâmetro é muito cara ou trabalhosa, por isso este método praticamente só é usado por grandes fabricantes.

3- Espelho esférico. Para este teste é necessária a construção de um espelho de características similares ao nosso primário, mas com um raio de curvatura igual à sua distancia focal, perfeitamente esférico e espelhado . Esta construção pode se justificar no caso de uma produção seriada, mas dificilmente será viável para um amador. O espelho esférico é usado em conjunto com o aparelho de Foucault.

4- Geração de franjas de interferência sobre um padrão esférico. Este é o método mais usado . O teste é feito sobre o espelho esférico de mesmo tamanho e curvatura do secundário, gerado no processo de polimento. Este "espelho" será usado como padrão para um teste interferencial do secundário sob uma luz monocromática. Para testar este padrão será necessário modificar o aparelho de Foucault de modo a reduzir ou eliminar o ângulo entre a fenda e sua imagem. Isto se deve à pequena distancia focal do padrão esférico.

Lâmina corretora Schmidt

Alguns amadores optam pela construção do arranjo Schmidt, que usa ambos os espelhos esféricos, mais fáceis de construir, e uma lâmina corretora relativamente fina que faz a correção da aberração. Esta lâmina deveria ser feita com vidros ópticos, mas alguns fabricantes adotam vidros "crown" ordinários com relativo sucesso. Para gerar o perfil lenticular uma "panela" de aço ou alumínio é usinada e recebe um "o-ring" de borracha. O vazio é preenchido com água e a lâmina é assentada sobre o "o-ring". Uma pequena depressão (que pode ser gerada com a boca) deforma o vidro. A pequena deformação é controlada com um esferômetro e o líquido é bloqueado com uma válvula . O conjunto é então levado ao polimento até que a superfície se torne plana. Quando liberada a lâmina volta à sua posição e a região desbastada forma a curvatura lenticular. Depois de polida em ambos os lados a lâmina toma a forma final desejada. Testes do conjunto determinam a curvatura ideal da lâmina.